Por que o processo de paz não leva à paz?*
Tradução: Suely Corvacho – publicado pela primeira vez em LIT-CI
(Este artigo também está disponível em espanhol e hebraico)
A pedido de um companheiro colombiano e no contexto das negociações de paz na Colômbia, escrevo sobre a experiência dos processos de paz entre a Palestina e Israel. Aos companheiros colombianos que não conhecem os detalhes, tentarei descrever os fatos históricos principais passo a passo. Às vezes, pontos de vista externos podem nos ajudar a compreender os processos nos quais estamos inseridos.
Por: Free Haifa — Traduzido do original em hebraico ao espanhol por Adam Bar**
O colonialismo sionista e o povo palestino
O sionismo como movimento colonial iniciou suas ações na Palestina no final do século XIX. Naquela época, o imperialismo europeu estava em pleno auge e controlava grande parte do mundo. A Palestina estava sob o controle do Império Otomano, de religião muçulmana, que se centralizava na Turquia, e o movimento nacionalista árabe moderno começava a emergir.
Durante a Primeira Guerra Mundial, o imperialismo britânico ocupou o Oriente Médio, território que disputava com o Império Otomano. Devido à queda deste último, o imperialismo britânico buscou apoio nas forças políticas da região, de tal maneira que, para facilitar sua entrada na região, se comprometeu com o nascente movimento sionista, prometendo-lhe terras e a consolidação de um estado no território da Palestina (Declaração de Balfour, 2 de novembro de 1917). Ao mesmo tempo, prometeu às lideranças árabes, sob a influência da família real Hashemita, que nesse momento se encontrava em dissidência com o domínio otomano, apoio às suas aspirações de estabelecer um país árabe independente que abarcasse desde a fronteira ocidental da Turquia até a península arábica (Correspondência Hussein-McMahon).
Em 16 de maio de 1916, a Inglaterra e a França assinaram o Acordo Sykes-Picot, que contemplava a divisão do mundo árabe entre os dois signatários. Durante os 31 anos de ocupação britânica na Palestina (1917-1948), o movimento sionista continuou fomentando a migração e colonização judaica na Palestina, deslocando, desta maneira, os camponeses árabes de suas terras.
A população árabe na Palestina sentiu o perigo e, durante esta época, resistiu à colonização judaica e exigiu dos líderes britânicos que impedissem o deslocamento da população originária. Tal resistência se converteu em resistência popular armada contra o domínio britânico. O fato mais notável no contexto desta resistência popular foi a greve geral dos trabalhadores na Palestina que durou meio ano (1936) e o movimento armado insurgente (1936-1939) que controlou durante este período a maior parte da Palestina. O sionismo colaborava e era funcional para a ocupação britânica de tal maneira que reprimiram juntos o movimento popular na Palestina.
Ethnic cleansing in Palestine, 1948
Com a retirada dos britânicos em 1948, o sionismo começou a usar táticas de guerra conhecidas como “terra arrasada”, caracterizadas pelo deslocamento forçado, realização sistemática de massacres em assentamentos e implantação generalizada do medo através da coerção e da violência. Com esta tática, destruíram mais de 500 aldeias e cidades palestinas, e foram expulsos 85% dos palestinos, que se refugiaram em países vizinhos e territórios não ocupados. Nessa guerra, Israel (uso o nome do Estado, embora naquele tempo não estivesse constituído como tal) ocupou 80% do território palestino.
Depois da guerra de 1948 e do nascimento do Estado de Israel, o povo palestino se dividiu em vários grupos: uma minoria permaneceu dentro de 80% do território da Palestina ocupado por Israel, sob um regime de ocupação militar; outra parte ficou na Cisjordânia, sob o controle da Jordânia; e a última na Faixa de Gaza, sob o controle do Egito.
Para evidenciar o caráter desta ocupação, foram realizadas ações para tornar mais aguda a situação de conflito na região, ações dirigidas especialmente contra a população palestina dentro de Israel. Um quarto da população foi deslocada internamente dentro dos territórios ocupados, sendo afetadas não só pela retirada, como também pela tomada forçada de seus pertences e posses (animais, bens, dinheiro, entre outros). Desde 1948, Israel continua sendo um governo de ocupação, expulsando a população nativa e dirigindo a colonização judaica.
O Imperialismo e Israel, os árabes e os palestinos
Para o imperialismo, o Oriente Médio é uma região de importância estratégica. O aspecto mais importante da economia da região é o petróleo, já que a área contém a maioria da produção e das reservas de petróleo do mundo. O mundo árabe, do Marrocos ao Iraque, foi uma zona de conflito entre as potências imperialistas e o bloco socialista liderado pela então União Soviética. O maior interesse do imperialismo é assegurar o controle do petróleo e, além disso, um mercado para suas mercadorias e mão de obra barata; portanto, o maior perigo é o movimento nacionalista de independência árabe, que poderia investir os recursos no desenvolvimento interno para seus habitantes.
O apoio imperialista ao movimento sionista e, mais tarde, ao Estado de Israel se deve ao fato de que ele constitui, antes de tudo, uma base de ação contra o movimento nacionalista árabe, mantendo a divisão geográfica da região, além de ser uma força militar que atua contra as aspirações de independência do povo árabe.
Em 1956, Israel participou, com a Inglaterra e a França, de um ataque contra o Egito, liderado por Gamal Abdel Nasser, em resposta à expropriação do canal de Suez. Este canal era de propriedade conjunta de empresários franceses e ingleses. Em 1967, uma guerra eclodiu por causa de provocações israelenses contra o governo do Baath (Partido de Renascimento Árabe Socialista da Síria).
Os palestinos foram vítimas diretas do colonialismo sionista. A problemática da Palestina foi reconhecida, no contexto do movimento nacionalista árabe, como o problema central. Como resultado, os palestinos (tanto os refugiados quanto os que vivem sob a ocupação) tinham esperanças neste movimento liderado pelo Egito, que teve seu auge nos anos 50-60.
Mas, após a derrota dos governos árabes na Guerra dos Seis Dias em 1967, tais esperanças diminuíram. Como reação, o movimento nacionalista independente palestino desenvolveu-se desvinculado do movimento árabe antecessor e começou a resistência popular e armada das massas palestinas. Esta resistência ficou evidente de várias formas, tendo como momento alto a guerra de guerrilhas e a organização dos palestinos da Jordânia em 1970. Em setembro deste ano, após o sequestro de 5 aviões pela Frente Popular para a Libertação da Palestina, o exército jordaniano atacou organizações guerrilheiras palestinas nos campos de refugiados, acabando com a resistência armada interna na Jordânia.
PFLP fighters 1969 – Palestinian Guerrillas
Após a morte de Abdel Nasser em 1970, Anwar Sadat subiu ao poder e, em troca de privilégios políticos, levou adiante a desvinculação do bloco soviético e a ligação do Egito com o imperialismo dos EUA e a política econômica do neoliberalismo. Esta mudança no Egito facilitou a interferência do imperialismo na região além de se servir da agressividade israelense. Apesar da mudança pró-ocidentais no Egito e, em menor medida, na Síria, com o golpe de Estado que deu Hafez Al-Assad na Síria, no mesmo ano, Israel se recusou a negociar a devolução dos territórios desses países que ocupou em 1967, o que provocou a guerra em 1973. Nesta guerra, os exércitos árabes tiveram êxitos e, ainda que Israel se recuperasse, estes sucessos conduziram à negociação, à devolução da península do Sinai e à assinatura de um tratado de paz entre Egito e Israel.
O acordo de paz entre Egito e Israel, que foi assinado sob a intermediação dos Estados Unidos, pôs fim ao processo de mudança no Egito, sendo funcional à maquinaria imperialista, além de assegurar a fronteira ocidental de Israel, o que lhe permitiu concentrar forças nas outras fronteiras.
A esquerda palestina e, em particular, a Frente Popular para a Libertação da Palestina (FPLP), que foi criada a partir do Movimento Nacionalista Árabe, viram o caminho para a libertação da Palestina não como uma luta desconectada da luta nacionalista árabe, mas que, tendo em conta o contexto, era necessário adequá-la às dinâmicas do momento.
O centro da resistência palestina mudou, pela derrota na Jordânia, para o sul do Líbano (fronteira norte de Israel). Ali os palestinos conseguiram se unir com as forças populares libanesas, o que propiciou em 1975 a eclosão da guerra civil libanesa. A correlação de forças neste momento facilitou a vitória da aliança entre os palestinos, a esquerda e os nacionalistas libaneses, mas, em 1976, o exército sírio invadiu o Líbano com o apoio dos Estados Unidos e de Israel para impedir esse avanço da resistência e manter a construção setorial no Estado libanês.[1]
Em 1982, Israel invadiu o Líbano e chegou a conquistar Beirute (a capital), com o objetivo de golpear as organizações de resistência palestinas e implantar, no Líbano, um governo de colaboração liderado pelo partido das Falanges Libanesas[2]. Depois de um bloqueio de 80 dias a Beirute, se decidiu em comum acordo a transferência da OLP (Organização para a Libertação da Palestina) do Líbano para a Tunísia. Assim, a última frente em que a OLP teve a oportunidade de levar a cabo uma luta armada aberta contra Israel foi derrotada.
Sob a ameaça do exército israelense, o presidente eleito pelo Parlamento libanês, Amine Gemayel, foi assassinado e, em resposta à ocupação israelense, se criou no Líbano um movimento de resistência forte. Neste contexto, teve lugar o massacre de Sabra e Chatila, em 16 de setembro de 1982. Esta invasão, conhecida como a Primeira Guerra do Líbano, durou até a retirada total sem condições de Israel no verão de 2000.
Sobre a paz e o processo entre Israel e os países árabes
O Egito assinou o acordo de paz com Israel (acordos de Camp David de 1978) após a ocupação do Sinai por Israel em 1967, da Guerra de 1973 e da visita do presidente do Egito Anwar el-Sadat a Jerusalém (capital de Israel) em 1977. Este acordo é o mais importante que já foi assinado até agora entre Israel e qualquer governo árabe e é um exemplo de um processo de paz que, normalmente, começa com agressão israelense e termina com o freio imposto pelos Estados Unidos, com o sionismo devolvendo os territórios árabes se o país (neste caso o Egito) se submeter à política e à economia ditadas pelo imperialismo.
Segundo o acordo, o governo egípcio concordou que receberia de volta todo o território ocupado. Nas negociações que então ocorreram entre a Síria e Israel, Israel se recusou a devolver as Colinas de Golã por sua importância estratégica, o que fez com que os acordos se rompessem.
Israel concordou em chegar a um acordo com o Egito, não com o fim de alcançar a paz completa com todos os países vizinhos, mas para, dividindo a aliança árabe, se beneficiar. Mais tarde, Israel impôs que tais negociações deveriam se realizar de forma bilateral, ou seja, de país para país ou organização para organização, como, por exemplo, a Conferência de Paz de Madri de 1991, da qual Israel participou, mas não conseguiu assinar a paz com nenhum Estado árabe.
A paz com o Egito não despertou simpatia no mundo árabe e levou a um declínio de sua reputação. A maioria das forças populares no Egito (o islã político, a esquerda e os nacionalistas) viu esta paz como uma vergonha e uma derrota, e atuam até hoje contra a normalização das relações com Israel. Por esta paz, o presidente Sadat foi assassinado pela Jihad Islâmica em 1982.
A Jordânia assinou o acordo de paz com Israel em 1994. Este acordo foi possível graças aos acordos de Oslo, que foram assinados entre Israel e a OLP em 1993. Na verdade, os acordos de paz não mudaram muito, porque Israel não devolveu nenhum território à Jordânia, mesmo a família real haxemita tendo sido uma fiel colaboradora de Israel e do imperialismo, inclusive antes mesmo dos acordos.
Em diferentes etapas, se negociou um acordo entre a Síria e Israel, com mediação norte-americana e turca, mas a Síria se recusou a mudar suas políticas internas com o Egito; e Israel se recusou a se retirar das Colinas de Golã (território sírio ocupado em 1967).
O imperialismo quis “resolver” a problemática palestina de uma forma que lhe permitisse integrar as suas forças no Oriente Médio, removendo o estigma de Israel e aceitando-o como uma potência militar e econômica em um “novo Oriente Médio”.
Este tipo de solução, que mantém a hegemonia israelense, não permite ao imperialismo pressionar Israel e, por isso, o imperialismo fracassou com respeito à política israelense, que continua a expulsar palestinos, ocupando suas terras, tornando-se mais agressivo tanto interna como externamente. Desta maneira, a crise no Oriente Médio se aprofunda, porque Israel gera mais tensão na região, tensão fomentada pela situação de conflito permanente, em oposição aos interesses imperialistas de algumas potências como os Estados Unidos, por exemplo, quando se trata do aumento dos preços do petróleo.
A revolução palestina e a solução diplomática
A guerra popular
Em 1964, com o apoio da Liga Árabe, a OLP (Organização para a Libertação da Palestina) foi fundada e se iniciou a luta armada palestina contra o Estado de Israel.
Depois da derrota dos países árabes em 1967, a luta palestina se tornou uma luta armada e direta, transformando-se na principal ação dos palestinos para alcançar seus direitos. As organizações que promoveram a luta armada foram formadas sob a direção da OLP e esta se converteu na organização que os representava política e diplomaticamente.
O principal movimento na OLP é o Fatah, uma organização com perspectiva burguesa que tinha conexões com os governos árabes e cuja política visava à criação de um Estado palestino na região sob a hegemonia ocidental.
A OLP é composta de várias organizações de esquerda, a maior delas é a Frente Popular para a Libertação da Palestina (FPLP). Essa frente surgiu do movimento dos nacionalistas árabes que se radicalizou na década de 60, adotando uma ideologia marxista-leninista. O principal objetivo da FPLP foi consolidar uma aliança com as massas oprimidas árabes, para recriar as condições de uma revolução árabe popular, que atacasse os fundamentos do controle imperialista na região e iniciasse os preparativos para a libertação da Palestina.
O primeiro programa da OLP exigiu um país laico e democrático em todo o território palestino e o direito de retorno aos refugiados. Em seguida, o objetivo foi alterado devido à pressão da esquerda árabe-mundial e do bloco soviético, da liberação de toda a Palestina para uma solução diplomática.
A derrota em 1970 na Jordânia e a retirada do Líbano em 1982 eliminaram a base territorial para “a guerra de libertação popular” em que a OLP foi baseada. O centro da OLP mudou-se para a Tunísia, onde se formou uma máquina de atividade diplomática desconectada do movimento popular. Neste contexto, as aspirações de uma negociação política transformaram-se no centro da vida política da OLP.
A primeira Intifada e os Acordos de Oslo
Em 1987, irrompeu a primeira Intifada, uma onda de resistência popular que durou em torno de cinco anos e que trouxe de volta a luta palestina ao interior da Palestina. A Intifada baseou-se num número grande de ativistas de base, muitos deles veteranos da luta armada dos anos 60-70, que iniciaram, a partir desses anos, o trabalho de base para a organização popular.
The stones’ Intifada – confronting the occupation army
Durante a Intifada, as organizações da resistência muçulmana surgiram pela primeira vez, o “Movimento de Resistência Islâmica” (Hamas – o ramo da Irmandade Muçulmana na Palestina) e o Jihad Islâmico. O Hamas reconhece-se como um movimento político com uma base popular ampla que ganha adeptos devido a suas ações sociais. Estas organizações não fazem parte da OLP, que mantém todo o poder burocrático.
Em 1991, a OLP participou dos acordos de Madri, que se realizaram após a Guerra do Golfo. No entanto, esta participação foi indireta, através da delegação jordaniana, porque, nesta época, Israel se recusava a negociar com a OLP, à qual descrevia como dominada por uma organização terrorista e armada.
Em 1993, foram assinados os Acordos de Oslo, nos quais Israel reconheceu a OLP como a representante do povo palestino e a OLP reconheceu o direito do Estado de Israel a existir, acordos consignados nas Resoluções da ONU (242, 338), que incluem o compromisso da OLP de abandonar a luta armada.
A parte palestina nos acordos acreditou que Israel queria uma solução de dois Estados, na qual os palestinos tivessem soberania sobre os territórios palestinos ocupados em 1967 (Gaza e Cisjordânia). Os acordos falavam de uma etapa de autonomia palestina nestes territórios durante cinco anos até que se chegasse a um acordo definitivo. Na realidade, esses acordos não garantiam aos palestinos o direito ao território e deixavam tudo à vontade do Estado de Israel, que continuava, sob a cobertura dos acordos, implementando uma política sistêmica de colonização, ocupação e deslocamento em Gaza e Cisjordânia.
O resultado dos acordos foi, definitivamente, o estabelecimento de um governo palestino sob a ocupação, sem soberania sobre seus territórios e sua economia, e sem solução ao problema dos refugiados.
Mais sobre os Acordos de Oslo
No contexto dos acordos, desenvolveu-se a Intifada, que durou cinco anos, baseada numa mudança da correlação de forças regional e internacional contra Israel.
Israel teve que fazer uma alteração em sua política, diante da qual se definiam duas opções: retirada unilateral da Faixa de Gaza ou uma solução política com um Estado palestino que se responsabilizasse pelo território retirado. Com os acordos e a continuação da colonização, os líderes da OLP deixaram o controle efetivo e total do território a Israel.
A direção da OLP, que se achava na Tunísia neste momento, procurava, antes da Intifada, uma oportunidade de um acordo político, chegando fragilizada às negociações: pela mudança do centro da luta palestina para a luta popular, e pelo surgimento das organizações da resistência muçulmana. Por isso, a OLP não representou a força da Intifada nas negociações, mas foi companheira de Israel no temor à Intifada, se apressando a chegar a qualquer acordo político possível antes que se convertesse em personagem pouco relevante.
Durante os anos de negociações, a esquerda mundial fez crer à OLP que os diálogos com Israel eram uma manifestação de boa vontade por parte do sionismo para resolver o conflito, tendo em conta os interesses de ambos os lados. Este ponto de vista explica o afã de se chegar a um acordo e o motivo pelo qual o lado palestino, acreditando em Israel, não lhe exigiu nenhuma garantia que preservasse seus interesses básicos.
Apenas em um pequeno território denominado Área “A” (que inclui só os territórios urbanos), os palestinos receberam controle total. O que significou que os dirigentes da OLP não só desistiram da luta armada, como também, durante os acordos, formaram uma coordenação de segurança em função do Estado de Israel (polícia e um corpo secreto de inteligência) para impedir e esmagar qualquer tipo de resistência, tudo isto sem garantias de terminar a ocupação. Enquanto isso continuava a expulsão, a ocupação e a colonização. Esta política foi levada adiante, com prisões e torturas de ativistas contra a ocupação israelita por parte da Autoridade Nacional Palestina.
Israel se viu então beneficiado diante de sua desobrigação diante das responsabilidades com a população palestina no tocante à saúde e à educação, na medida em que não destinava qualquer orçamento para as questões sociais; Israel quer controlar o território, mas não a população. O controle das fontes de água, da economia, das vias de transporte e do direito de se deslocar ficaram nas mãos de Israel e são usados para criar obstáculos na vida dos palestinos.
Em Oslo, os Estados Unidos tiveram um papel secundário em relação aos diálogos entre Israel e os países árabes. A assinatura destes acordos na Casa Branca tinha o objetivo de aumentar os ganhos políticos dos participantes (Israel, a OLP e os Estados Unidos).
Os acordos foram vistos como uma forma de consolidar a hegemonia norte-americana após a queda do bloco soviético (o fim da história), já que todos vivem num sistema capitalista global. Neste contexto, foi evidente um processo na África do Sul que permitiu uma mudança política verdadeira e a queda do sistema do apartheid, enquanto na Palestina se deu a continuidade e o agravamento do apartheid israelita.
A segunda Intifada e a retirada de Gaza
Os acordos de Oslo deveriam ter levado a um acordo definitivo em cinco anos. No entanto, Israel continuava colonizando e não mostrou nenhuma intenção de se retirar dos territórios ocupados em 1967 para que se estabelecesse um Estado palestino liderado pela OLP. Em 2000, fez-se a última tentativa na qual Israel (liderado por Ehud Barak) e os Estados Unidos (governados por Clinton) tentaram obrigar Yasser Arafat a renunciar ao direito de retorno dos refugiados. A negativa de Arafat em seguir esta ordem, imposta pela aliança americana-israelense, levou à segunda Intifada e, depois, ao seu assassinato.
A segunda Intifada começou em decorrência das provocações israelenses, quando Ariel Sharon (o líder da direita israelense nesta época) e Barak se uniram para sabotar os acordos de Oslo e demonstrar que “não há um parceiro para os acordos”, e assim se liberar da responsabilidade de cumprir com os compromissos assumidos por Israel.
Por outro lado, a direção da OLP que, neste momento, dirigia também a Autoridade Palestina (AP), se deu conta de que Israel não queria fazer nenhuma renúncia, nem sequer mínima, que lhe permitisse manter sua reputação com o povo palestino. Nesta situação, a direção da OLP voltou a lutar contra Israel e uma grande parte das armas que havia trazido para oprimir a resistência foi usada contra a ocupação.
Nesta perspectiva, surgiu o argumento de que os acordos melhoraram e fortaleceram a resistência; no entanto, há que recordar que as “forças de segurança” palestinas não se uniram à resistência e que a coordenação de segurança com o exército opressor de Israel nunca deixou de agir e voltou com mais força depois que a resistência foi esmagada após anos de assassinatos, sequestros e torturas.
Free Gaza!
Tanto o aumento de armas nas mãos palestinas quanto a tática assassina de Israel fizeram com que a segunda Intifada se caracterizasse pela luta armada e não só pela luta popular como a primeira.
No fim da segunda Intifada em 2005, Israel, liderado desta vez por Ariel Sharon, enfrentou-se novamente com o dilema de conciliar e intermediar, procurando uma solução política com a OLP ou realizando uma retirada unilateral da Faixa de Gaza, que incluía a evacuação de todos os assentamentos que tinha construído neste território. O resultado foi, pela primeira vez, a existência de um território totalmente livre na Palestina.
Os acordos de Oslo e os palestinos em Israel
Os acordos despertaram muitas ilusões nos palestinos, especialmente nos de Israel, depois de muitos anos que as principais forças políticas, lideradas pelo Partido Comunista de Israel (seus membros são majoritariamente palestino-árabes), chamaram a alcançar a paz através da solução dos “dois Estados”. Para a maioria da população na Palestina, pareceu-lhe que tinha chegado a esperada paz; para os refugiados, a situação era diferente porque se deu a entender que os acordos não tinham a solução para sua problemática.
O governo israelense de Yitzhak Rabin, que assinou os acordos, foi um governo estreito do qual fazia parte a denominada equivocamente “esquerda israelita”. Este governo dependeu do apoio dos partidos árabes para conseguir a maioria no parlamento, no entanto Rabin negou aos partidos árabes a participação na coalizão que formou o governo. Rabin foi assassinado pela direita israelense e seu governo continuou, liderado por Shimon Peres, que perdera as eleições de 1996.
O apoio aos acordos e a ilusão de que se estava avançando para uma paz respeitável para o povo palestino levou todos os partidos árabes parlamentares a apoiar um governo que continuou com a ocupação, a colonização e a discriminação racista. Este governo de Peres, ao qual apoiaram, atacou inclusive o Líbano e cometeu o Massacre de Qana em 1996.
A ilusão de paz e a dependência do governo nos partidos árabes trouxeram a ilusão da possibilidade de melhorar a situação dos palestinos árabes cidadãos de Israel. Esta ilusão foi expressa através do surgimento de um novo partido árabe Al-Tayamu (Aliança Nacional Democrática) que exige “um país para todos os seus cidadãos” em Israel.
Em vários anos, se passou da etapa de ilusão a uma etapa de luta popular dos palestinos dentro de Israel, cujo auge foi em 1998-99 durante a luta pelas terras que teve sucesso e ganhos, mas isso foi claramente graças à luta popular e não à atividade parlamentar.
O aumento da resistência popular dentro de Israel levou à participação total dos palestinos cidadãos dentro de Israel na segunda Intifada, cuja resistência foi reprimida brutalmente pela polícia israelense, que feriu centenas de manifestantes e assassinou treze deles nas primeiras duas semanas da Intifada.
Conclusões: os temas em conflito e as soluções possíveis
Uma solução verdadeira ao conflito exige que se resolvam todas as problemáticas existentes, sobretudo a garantia do direito aos refugiados retornarem a todos os territórios de onde foram expulsos; além disso, deve acabar com a ocupação e o racismo. Este tipo de solução só será possível com um país laico e democrático em todo o território palestino histórico.
Na atualidade, a política israelense está dirigida a expulsar o povo palestino de sua pátria.
O racismo, a opressão, a restrição de movimento, a tomada de terras e a colonização servem a este fim. Desde a ocupação da Cisjordânia e de Gaza em 1967, há fatores políticos palestinos e mundiais que trabalham por uma solução baseada em “dois Estados para dois povos”, ou seja, reconhecimento do Estado judeu no território palestino ocupado antes de 1967 (80% da Palestina) e um Estado palestino na Cisjordânia e na Faixa de Gaza. Esta solução significaria a legitimação da limpeza étnica de 1984, a discriminação contra os palestino-árabes cidadãos de Israel, e a ausência do direito de retorno aos refugiados.
Vários fatores palestinos tentam um meio termo entre a solução proposta para acabar com os direitos nacionais dos palestinos e as aspirações de consegui-los. A solução mais ampla exige três iniciativas: 1) fim da ocupação na Cisjordânia e na Faixa de Gaza, 2) direito ao retorno dos refugiados e 3) igualdade de direitos para os palestinos cidadãos de Israel. Esta é a solução apoiada pelo movimento do BDS (Boycott, Divestment and Sanctions).
(Haifa, Dezembro 2012)
Notas
[1] O Estado do Líbano recebeu a independência da França. Segundo o sistema político herdado da época colonial, que continua em vigor hoje, o país está dividido por religiões e seitas, de modo que o Estado continua sendo funcional aos interesses imperialistas na região. A maioria da população é muçulmana (sunitas e xiitas), no entanto, segundo as leis do presidente, deve ser cristã católica maronita.
[2] Organização paramilitar e partido de direita.
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Artigo publicado originalmente em https://freehaifa.wordpress.com/category/en-espanol/
(*) As ideias expressas neste texto não refletem necessariamente a opinião de Corriente Roja ou da LIT-QI
(**) O escritor é um ativista em “Herak Haifa” e “Filhos da Terra – Abna el-Balad”
Artigo publicado em: www.corrienteroja.net.